Senta que lá vem história

O que seria de um escritor sem um pouco de história verídica de vez em quando, não é? Por isso mesmo, hoje a história é da minha vida.

Nem sempre eu fui assim, de esquerda (e calma lá: antes de fazer cara feia e desistir do texto, pelo menos me deixe mostrar que isso não é tão mau. Afinal, só usei esse palavrão porque realmente não tinha outra forma de começar).

Hoje em dia, estou do lado de cá por acreditar que o papel do Estado na sociedade deva ser o de garantir que todos tenham direitos iguais. Essa é a finalidade que dá um sentido para o Estado existir. Ele deve trabalhar para que todos tenham iguais condições na sociedade, com acesso à cultura, informação, saúde, moradia, trabalho e educação.

Vamos combinar que a direita não compartilha dessa visão. E como eu não faço parte da fatia privilegiada pelos interesses do lado de lá, simplesmente não faz sentido eu ser de direita (e sim, houve um tempo em que eu não era de esquerda. Mas nessa época isso não fazia a menor diferença, já que eu era adolescente, meio besta, e não dava a mínima para qualquer coisa que não fizesse parte do meu mundinho limitado).

Você deve estar se perguntando onde raios eu quero chegar com tudo isso. Simples: na história de como tudo isso começou. Já ouviu falar do ProUni?

Essa foi a ótima ideia de alguém que percebeu o quanto era difícil para pessoas de baixa renda entrarem na faculdade. Apesar de gratuitas, as universidades federais exigem de seus candidatos ao vestibular um nível de conhecimento que as escolas públicas ainda não oferecem. Resultado: a maioria dos estudantes das universidades públicas vem do ensino privado, de famílias ricas. É uma concorrência desleal. Resta o quê? As universidades e faculdades privadas, que poucos podem pagar.

É aí que entra o Programa Universidade Para Todos: para quem fez o ensino médio em escola pública, tem baixa renda e não consegue entrar em uma universidade federal, por estar disputando a vaga com candidatos muito superiores, vindos de escolas particulares, o Estado tem a obrigação de pagar pelos estudos da pessoa em uma faculdade privada. Garantir direitos iguais, lembra?

Pois é. E eu, que tentei tantas vezes entrar na UnB (Artes Plásticas e Desenho Industrial, pasmem), já estava familiarizada com a rotina de fazer aquela prova medonha. A cada vez que eu reprovava, ficava mais claro que eu nunca conseguiria fazer um curso superior. Pelo menos não daquela forma.

Como quem não quer nada, resolvi fazer novamente o Enem. Na época, era uma prova que todo mundo que estivesse terminando o terceiro ano precisava fazer. Quer dizer, precisar não precisava, mas pelo menos nas escolas públicas, os alunos eram encorajados a fazer. Eu já tinha feito o Enem quando terminei meu ensino médio, e no semestre seguinte repeti a dose; mas tinha encarado mais como um exercício para o vestibular da UnB. Então resolvi fazer uma terceira vez, e o “como quem não quer nada” ali em cima é mentira. No meu segundo Enem, eu tirei uma nota PÉSSIMA na prova de redação. Tenho que admitir: foi puro revanchismo que me levou a fazer a terceira vez. Porra, aquilo não podia ficar assim!

Eu já sabia que o Enem era a ferramenta que o ProUni usava para dar bolsas de estudo para as melhores notas. Mas só caiu a ficha que eu finalmente ia ter a chance de cursar o ensino superior quando chegou o resultado do meu exame. Não, na verdade só caiu a ficha quando eu consegui respirar, depois do choque de ver minha nota em redação: 97. Eu queria tanto ver esse texto de novo, não lembro se era realmente tão bom.

Parece coisa do destino: um texto meu abrindo as portas para que eu entrasse na faculdade. E não foram só essas portas que se abriram. Virar universitária foi como ganhar um bilhete que eu podia usar para conseguir o que eu quisesse, transitar sem limites (e nem estou falando da meia entrada, hehe). Foi como cruzar uma linha, onde do outro lado eu poderia ter uma vida radicalmente diferente.

(entra flashback: Aline morando em uma cidade de interior, sem a menor perspectiva, ganhando alguns trocados escrevendo trabalhos de faculdade para os outros, dando aulas de desenho e acreditando que, com mais uns anos de estudo, conseguiria passar em um concurso, e assim não precisar mais entregar currículo aleatoriamente)

Agora cá estou eu, estudando no melhor curso de Publicidade de Brasília; atualmente trabalhando no mercado publicitário, já tendo passado por três agências (e olha que nem sou formada ainda); tendo uma renda consideravelmente melhor; e ganhando horrores de dinheiro com contos eróticos (ok, essa última é mentira).

Sem falar de outros ganhos: fazer uma faculdade expandiu meu universo. Conheci coisas que antes não imaginava existir, descobri talentos que eu não imaginava ter. Passei a ter maior contato com pessoas diferentes, mais acesso à cultura e informação. Toda essa invasão de coisas, pessoas, culturas, aprendizados, fez de mim o que sou hoje. Alguém muito melhor – aliás, muito maior.

Agora imagina: outras pessoas que foram beneficiadas com o ProUni também passaram ou estão passando pela mesma transformação. Uma pesquisa registra a mudança positiva que aconteceu na vida dessas pessoas, que reflete a história que estou contando e não me deixa mentir. De 2005 pra cá, quando começou o programa, com Lula e Fernando Haddad, foram cerca de 500 mil beneficiados, e ainda são previstas pelo MEC mais 60 mil bolsas só para esse segundo semestre.

A longo prazo, isso significa uma verdadeira revolução social. Revolução porque está mexendo com a estrutura da coisa toda. A história muda para uma pessoa e a história da sociedade muda junto: mais pessoas bem informadas, com maior poder de consumo, mais cultura, e mais chance de passar melhores condições de vida para a geração seguinte.

Isso tudo dispensa mais explicações sobre porque eu apoio políticas de governo voltadas para o social, né?

E minha história como bolsista não termina aqui. Ainda pretendo fazer um mestrado na área de comunicação, estudar fora, poder me dedicar à vida acadêmica, e contribuir com todo esse conhecimento adquirido para devolver à sociedade o investimento que o governo está fazendo em mim. Quem sabe até lá surjam outras histórias como essa, para que finalmente alguma coisa mude na história do País?

Foto da capa: Luftphilia / Flickr Creative Commons