Acredite neste livro

Sempre falo da importância de ser crítico e de não acreditar em qualquer bobagem que se vê por aí, mas como leitora faço questão de ser crédula. Gosto de acreditar nas histórias bem contadas e já cheguei a dizer que alguém não pode ser um escritor se não consegue convencer seus leitores.

Quando me deparei com a história do Livro Infinito, escrita por Alex Luna, acreditei de tal forma que quase não acreditei que aquele texto seria o prólogo de uma coletânea de contos chamada Mentirinhas (à época). Tive o privilegiado acesso aos textos antes de serem publicados como Inverdades (com um subtítulo que considero perfeito: “pequenas manifestações divinas em folhas de chá, marcas de sangue e manchas de batom”).

De cara, você vai se deparar com algo curioso: todos os contos têm nomes de personagens mitológicos, deuses esquecidos, santos ou personagens bíblicos. Isso tem tudo a ver com o prólogo, em que somos apresentados a manuscritos que supostamente contêm a fórmula das histórias universais da humanidade.

A maior descoberta literária de todos os tempos aconteceu há mais de sete séculos, num mosteiro da velha Castilha. Depois de duas décadas copiando e traduzindo textos em latim, árabe e grego, o frei Giorgio Romano encontrou o esboço da Teoria do Todo Literário num manuscrito árabe. No texto, atribuído a um pensador da corte do grande sultão Harum al-Rachid, é levantada a hipótese de que todas as histórias são repetições de padrões, assim como as palavras são apenas repetições de letras. Para o autor do manuscrito, cuja identidade não foi identificada pelo monge, novos autores podem tentar recriar as histórias com novas roupagens, mas nunca conseguirão criar um texto original.

É sabido que as histórias se repetem, e não é de hoje, como mostram as infindáveis adaptações e remakes vistas no cinema: até a história de Jesus tem incríveis semelhanças com outros mitos ainda mais antigos. Em Inverdades, essas semelhanças são muito bem-vindas, mas nem sempre tão óbvias. Os títulos de cada história dão uma pista, mas às vezes é preciso pesquisar para entender qual é a relação dos personagens do livro com seus respectivos mitos.

Isso faz de Inverdades um livro cheio de easter eggs para serem desvendados. E essa experiência (altamente recomendável), de buscar o significado dos mitos em cada conto, faz com que as histórias não se encerrem ali. Não foram poucas as vezes em que recorri ao Google para pesquisar mais sobre os mitos e sempre me surpreendi: tanto por ter descoberto uma história que ainda não conhecia, quanto por ter encontrado uma engenhosa associação com as histórias escritas por Alex Luna. Você nunca ia imaginar, por exemplo, que a história bíblica de Jonas e a baleia pudesse ganhar contornos eróticos em um conto perturbador sobre bondage, dominação e sadomasoquismo.

É até difícil eleger uma inverdade favorita, mas gostei particularmente de São Jerônimo Penitente, a história de um velho ateu e moralista que morre e tem seus segredos mais pervertidos descobertos pelo seu neto. É aquela história gostosa de ler, especialmente pelo peculiar tom de humor que ela carrega, aquele típico de velhos ranzinzas que não veem graça em nada.

O velho, estirado no caixão, dormia o sono dos que já vão tarde. Pelo menos, era o consenso familiar. (…) Nunca estava bem-humorado e dizia sempre que o segredo de uma vida longa era querer que ela não durasse muito, porque se dizia pelos cantos, principalmente pela parte da família materna de Robson, que já era hora de o velho esticar as canelas. Claro está, odiar o sogro é um esporte nacional. Mais que isso, quase um imperativo categórico obedecido até pelos alienígenas, se acaso tivessem o infortúnio do casamento na sua civilização, teoricamente avançada.

Aliás, outro mérito do livro é ser um desfile de personagens com voz própria, que marcam cada conto com uma linguagem única. Você viaja com rebeldes pelo ambiente agreste do sertão em Judas, passa pelas desventuras da imigrante Núbia nas ruas de Lisboa em Chih Nu, e chega até Roma, falando italiano com o cientista Daniele, em Galatéia. Personagens com tanta profundidade que têm até textura.

Tão admirável quanto a habilidade narrativa de Alex Luna é o seu empenho, cara e coragem de publicar seu livro de forma independente. Se você é dos que escrevem, fica a inspiração: fazer literatura não depende de nada, a não ser de você mesmo. Se você também é dos que leem, fica a dica: Inverdades é uma ótima leitura.

 

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