Meu corpo mutante

A casa onde moramos não é de paredes sólidas e estáticas. Seus cômodos não permanecem do mesmo tamanho todos os dias e seus espaços não se fixam de uma maneira só durante todo o tempo que moramos ali.

Esta é a casa que temos, e é verdade que não podemos nos mudar caso não gostemos mais desta morada. Somos a primeira e a última inquilina que irá habitar este espaço. Mas também é verdade que a casa onde moramos sempre muda. Às vezes, porque assim desejamos: mudamos os móveis de lugar, pintamos as paredes. Às vezes, as mudanças acontecem mesmo contra nossa vontade. Os espaços se redimensionam, os cômodos mudam de lugar, novas janelas aparecem, móveis desaparecem.

Algumas mudanças nos deixam mais confortáveis com a casa onde moramos. Outras, desconfortáveis.

Mas talvez esse desconforto só exista quando não somos capazes de aceitar a natureza mutante de nossa morada.

A barriga que tenho hoje não estava aqui há dez anos atrás, quando eu era magra no nível clavícula saltada. Nem meu cabelo nem a cor da minha pele são iguais aos da menina de oito anos que fui um dia, de cabelo bem liso e pele escura. Onde toda aquela melanina foi parar?

A idade muda a cabeça e assim é com todo o resto do corpo.

Os quilos a mais, um quadril mais largo, os dentes mudando de posição. É como estar dentro de uma casa e ver a sala aumentar, paredes surgindo onde antes não existiam, aquele belo sofá sendo engolido pelo chão para nunca mais ser visto, o piso mudando de azulejo para laminado. E aí paramos para pensar no que fazer com os móveis depois da mutação. Onde sentar para assistir TV. Adaptar-se àquele novo espaço.

A mesma celulite que me fazia torcer o nariz quando olhava para minhas coxas agora me chamava a atenção para essa propriedade interessante do meu corpo. A de ser mutante. É verdade que a celulite está ali, em parte, pelo meu estilo de vida sedentário. Mas também está ali porque meu corpo não é uma casa de paredes estáticas.

E aí percebi quanto esforço é feito para manter o corpo sempre igual. Cobrir os fios brancos, esticar a pele enrugada, chupar a barriga. Como se aquela barriga fosse necessariamente algo errado no meu corpo, que não devia estar ali. Não era errado, fora de lugar; era só algo novo.

Então, em vez de admirar meu corpo por estar congelado em um estado que definiram como “correto”, por que não admirá-lo por essa capacidade fantástica de mudar o tempo inteiro?

Não que eu deva gostar de todas as mudanças que esse meu corpo mutante inventa de fazer. Não, não é das mudanças em si de que falo. Mas o poder de mudar, não importa para o quê, esse sim é fantástico.

A adolescência é o melhor exemplo disso. Eu não gostei de quando meu rosto começou a mudar e um olho cresceu primeiro, mais do que o outro. Mas ainda bem que o rosto muda. E ele ainda vai mudar tanto e tantas vezes, que eu deveria ficar animada com a possibilidade de ter um rosto diferente muito em breve, que velhos conhecidos terão dificuldade de reconhecer na rua se me virem um dia.

Ter um corpo mutante não significa que as mudanças que ele me oferecer serão necessariamente ruins; significa que não sou de plástico. Sou água. Sou carne. Sou viva.

O que é vivo se transforma, muda, se move.

Então quando algo novo surgir no meu corpo, saberei: meu corpo mutante estará me levando a um novo lugar. O endereço dessa morada é impreciso, mas é certo de que irei morar sempre em um eu diferente.

Imagem do filme X-Men: First Class.