Nossa mania de opostos

Tudo o que existe, existe para que a gente possa se enfrentar.

Não, não na verdade. Certamente que uma maçã existe independente de nossa vontade e é completamente alheia ao uso que fazemos dela, inclusive ao fato de que existe uma rivalidade ancestral entre quem coloca maçã picada na maionese e quem detesta maçã picada na maionese; o que é só um exemplo de como uma inocente maçã acaba, no final das contas, existindo para que a gente possa se enfrentar.

Então, tão certo quanto o fato de, se algo existe, existe sua versão pornô (coisa que aprendi lendo as obras de Tarrasque, filósofo do século XVIII), é o fato de absolutamente qualquer coisa existente culminar em uma rivalidade acirrada, não raro violenta, que nos divide sempre em dois opostos.

(e, se for jogada na internet, a probabilidade de uma discussão sobre seja lá o que for de virar uma discussão tucanos x petralhas se aproxima de 100 por cento)

Só há dois lados em uma história, só pode haver. Será que temos essa mania de dualizar tudo porque somos criaturas com o cérebro dividido em dois hemisférios? Será que se vemos mais do que dois lados já não conseguimos processar, trava o sistema, tem que reiniciar, chamar um técnico?

Talvez não estejamos preparados para ver mais de duas facetas de alguma coisa porque em seguida já vem outra polêmica e precisamos nos posicionar logo. A roda da opinião não pode parar de girar. É como naquele antigo programa do Sílvio Santos: você tem que escolher depressa o seu lado e torcer para escolher o certo – pelo menos naquele programa, diferente da internet, dava para escolher entre três.

Acaba que essa polarização ajuda as pessoas a se posicionarem com a rapidez que a indústria da opinião exige. E tendo apenas dois lados para considerar, fica fácil ver quem são os seus inimigos: quem está do lado oposto, lógico!

Não são as coisas ou acontecimentos que, de fato, importam; mas sim o outro. Sempre o outro. É por aquilo que o outro não é que definimos quem somos; é por aquilo que ele ataca que definimos o que defendemos. Se não sou noite, é porque sou dia; se não sou a favor, só posso ser contra. Viramos um Yin Yang achatado.

opostos

Mas não ache que isso significa que somos limitados. É ilimitada a nossa capacidade de reverter qualquer coisa e qualquer tema para uma briga de torcida organizada nós versus os outros – ou você já viu uma partida de futebol com mais de duas torcidas na arquibancada? A morte de uma pessoa vira uma questão de esquerdistas versus direitistas. O caso de um abuso sexual vira uma questão de quem defende o agressor ou relativiza a violência versus quem condena o agressor e todos que duvidam da vítima. O calor vira uma questão de quem reclama do calor versus quem reclama de quem reclama do calor. Um vídeo de gatinhos vira uma questão de quem idolatra os felinos versus quem prefere cachorros. O lançamento de um filme vira uma questão de quem amou o filme versus quem odiou (ou só viu um ou dois defeitinhos mas que por isso se recusa a dizer que gostou).

Claro que há aí também não só a nossa tendência de polarizar tudo, mas a de tornar tudo pessoal: se algo acontece nesse mundo, só pode ter a ver com a gente. Tomar um lado em cada história e escolher quem será o outro, o adversário a se combater, é a forma que arranjamos de tornar aquilo pessoal. Se entro em um ringue para bater e para apanhar em nome de algo que aconteceu em um país que nem fala a minha língua, pronto: já é algo que me diz respeito.

E aí ficamos cada um de um lado da arena, lançando opiniões mais com o intuito de atacar aquele que vemos como o outro, além de marcar que nossa posição é diferente, do que realmente tentar encontrar o que temos em comum com a pessoa do lado oposto, “prezando pelo debate” enquanto não estamos, na verdade, nem um tiquinho a fim de mudar de opinião, como se tivéssemos que defender um lado até a morte.

Ninguém está imune a isso, nem mesmo esta autora – que com muita frequência sucumbe à mania de dividir as coisas em opostos e por isso também cabe ser questionada. Será que é algo inerente à nossa natureza ou um comportamento que teimamos em reproduzir? Droga, olha eu já tentando polarizar a questão de novo.

Mas dentro desse contexto de oito-ou-oitenta-normatividade, será que um meio-termo é possível? Se muitas vezes até alguém que aparentemente está defendendo o meio-termo o faz porque enxergou o seu oposto em alguém que foi ao extremo da questão? É, a nossa mania de polarizar continua ali, só que disfarçada de “postura ponderada”.

Diante disso, será que de fato existe um “meio-termo”, sendo que até se posicionar como “não tenho opinião” acaba sendo o oposto de alguém que se posicionou a favor ou contra algo? Ou alguém que diz que “gosta dos dois lados” acaba sendo o oposto de alguém que só defende um? Ou algo que foge do binarismo acaba sendo o oposto de algo que se encaixa dentro do binarismo? Louco isso, não?

Isso é o que dá viver em um mundo tão complexo: temos que simplificar as coisas, achatar em uma moeda de dois lados, para não fazer o cérebro fritar e assim poder usá-lo para preencher planilhas do Excel, entender as geniais propagandas do intervalo comercial que querem nos vender sabonete e escrever textos para internet que serão esquecidos no dia seguinte.

E se esqueci de alguma colocação nesse texto, desde já peço desculpas. Deve ser porque também tenho o cérebro dividido em dois.

O mundo está dividido entre duas pessoas:

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Fotografia da capa: Kristin Wall // Flickr Creative Commons