Páginas: o coração é o órgão que se abre para o outro


Páginas de livros que encontrei por aí e me causaram faíscas.


Foto da página aberta de um livro. Na página da esquerda, uma pintura clássica de uma mulher nua sendo beijada e acariciada por anjos. "Vênus, Cupido, a Insensatez e o Tempo". Na página direita, o texto: "MOYERS: E a libido? CAMPBELL: A libido é o impulso para a vida. Vem do coração. MOYERS: E o coração é... CAMPBELL: ... o coração é o órgão que se abre para o outro. É a qualidade humana, em oposição às qualidades animais, que têm a ver com o interesse próprio de cada um. MOYERS: Você entende então o amor romântico como oposto à luxúria, à paixão ou a um sentimento religioso geral? CAMPBELL: Sim. O casamento nas culturas tradicionais era arranjado pelas famílias. Não era absolutamente uma decisão de duas pessoas. Na Índia, hoje, há colunas de anúncios de esposas, nos jornais, colocados por agências de matrimônio. Lembro-me de uma jovem, de uma família que conheci lá, que ia se casar. Ela nunca tinha visto o rapaz que ia ser seu marido, e perguntava aos irmãos: "Ele é alto? Tem pele escura? Pele clara? Como é?" Na idade média, esse era o tipo de casamento santificado pela Igreja, de modo que a ideia trovadoresca do verdadeiro Amor entre duas pessoas era muito perigosa. MOYERS: Por ser uma heresia?" Abaixo, uma foto de um homem e uma mulher abraçados e deitados na grama. "G.I. e a namorada, no Hyde Park. Londres, Ralph Morse, 1944".

Trechos do Capítulo VII: Histórias de amor e matrimônio do livro O poder do Mito de Joseph Campbell com Bill Moyers:

CAMPBELL: Os trovadores estavam muito interessados na psicologia do amor. E foram os primeiros, no Ocidente, a pensar no amor do modo como ainda o fazemos, hoje — como uma relação entre duas pessoas.

MOYERS: Como era antes disso?

CAMPBELL: Antes disso, o amor era simplesmente Eros, o deus que excita o apetite sexual. Isso não corresponde à experiência do apaixonar-se, da maneira como os trovadores a compreenderam. Eros é muito mais impessoal do que apaixonar-se. As pessoas não tinham conhecimento do Amor. O Amor é algo pessoal, que os trovadores reconheceram. Eros e Ágape são amores impessoais.

(…) Eros é um impulso biológico. É o entusiasmo dos órgãos por outros órgãos. O fator pessoal não conta. Ágape é “ama teu próximo como a ti mesmo”, o amor espiritual. Não importa quem seja o próximo.

(…) A experiência de Eros é uma espécie de arrebatamento. Na Índia, o deus do amor é um jovem forte, vigoroso, com um arco e uma aljava de setas. Os nomes das setas são “Agonia-Portadora-da-Morte”, “Revele-se” e assim por diante. Na verdade, ele apenas lança uma das setas na sua direção e produz uma explosão totalmente fisiológica, psicológica.

Já o outro amor, Ágape, é amar o próximo como a si mesmo. Outra vez, não importa que seja a pessoa. É o seu próximo, e você deve manifestar essa espécie de amor.

Mas, com o Amor, o que temos é um ideal puramente pessoal. Aquela espécie de arrebatamento que deriva do encontro dos olhares, como se diz na tradição trovadoresca, é uma experiência entre duas pessoas.

(…) É uma experiência pessoal, individual, e creio que esse é o aspecto essencial que torna grandioso o Ocidente, distinguindo-se de todas as outras tradições que eu conheço.

MOYERS: Então a coragem de amar se tornou a coragem de afirmar uma experiência individual contra a tradição — a tradição da Igreja. Por que isso foi importante na evolução do Ocidente?

CAMPBELL: Foi importante porque deu ao Ocidente essa ênfase no indivíduo, no sentido de que cada um tivesse fé na sua própria experiência, em vez de simplesmente repetir o que lhe era imposto pelos outros. Isso sublinha a vaidade da experiência individual no tocante à humanidade, à vida, aos valores, contra o caráter monolítico do sistema. O sistema monolítico é um sistema mecânico: cada máquina funciona exatamente como qualquer outra, saída da mesma oficina.

(…)MOYERS: E a libido?

CAMPBELL: A libido é o impulso para a vida. Vem do coração.

MOYERS: E o coração é…

CAMPBELL: … o coração é o órgão que se abre para o outro. É a qualidade humana, em oposição às qualidades animais, que têm a ver com o interesse próprio de cada um.

Foto da capa do livro O Poder do Mito de Joseph Campbell com Bill Moyers, edição da Editora Palas Athena. A capa é preta, com fontes serifadas em caixa alta. No centro, um símbolo com um dragão dourado cercado de padrões redondos, nas cores vermelha e azul.