Monarcas de nossa casca de noz

O mais importante para conseguir escrever um romance é curtir o processo de escrever um romance.

Claro que não vale só para romances; quem corre ou cozinha ou lê, por exemplo, também vai entender do que estou falando. Mas, como estou naquela fase monotemática em que tudo que existe nessa vida é escrever romance*, vamos começar assim mesmo.

Sei que é muito bonito e desejável e legal ver o troço pronto, algo que se pode tocar e mostrar para os outros, mas meio difícil querer alcançar um resultado sem gostar da trabalheira envolvida no processo que te conduz a ele.

Aliás, se dedicar tanto tempo, esforço e sanidade em algo assim não for a sua praia, para quê se meter com isso, para início de conversa?

Dispenso a via crucis criativa: em vez de escrever porque sofro e fazer da escrita um momento de sofrimento e angústia, prefiro escrever porque tenho verdadeiro prazer nisso. Adoro conectar pontos, amo quando as coisas se encaixam, fico muito empolgada quando resolvo um diálogo ou encontro a melhor forma de contar uma cena, pareço criança com Lego, montando, desmontando e remontando várias vezes a estrutura da minha história. E, por ser bom, quero repetir; por repetir, vou criando a quantidade necessária para terminar.

Estou chegando perto de terminar meu segundo romance. A repetição do processo ensina muito: sobre o processo em si, mas também sobre mim mesma. Aprendi sobre a importância dos ciclos e também sobre o quanto o prazer ajuda os processos a caminharem.

A mente, ansiosa, deseja o resultado final, como se o prazer estivesse apenas no fim, e apenas lá ela pudesse ser feliz e comemorar e dizer ufa! Por ver essa “felicidade” como algo distante, no alto de um morro, a mente se cansa durante a caminhada, fica irritada com todo aquele esforço e depois frustrada que o resultado e o prazer vindo dele não durou o quanto esperava.

Todo prazer é momentâneo, porque tudo é momentâneo. Não há felicidade que dure, permanente e inabalável. Esse me parece o argumento mais lógico para viver o presente e deixar que ele seja isso: um presente, algo que estou ganhando, junto com uma imensa alegria.

É uma questão de virar uma chavinha: se para atingir o resultado que quero preciso passar por determinado processo, que eu consiga curtir esse processo. Que eu o viva da melhor forma possível.

Então o resultado não será algo tão distante, mas algo que naturalmente aparece no meio de um caminho que gosto de percorrer.


ilustração: Lorenzo Gritti

Mudar a chavinha mental é tudo.

Numa cena em Hamlet, o príncipe recebe dois amigos de fora: estão naquela de oi, oi, e aí sumido, tudo bem, tudo ótimo, e as novidades, etc.

Hamlet então pergunta: “o que vocês fizeram com a Fortuna para ela jogá-los nesta prisão?”.

Um deles responde: comassim prisão, cara? E Hamlet: “a Dinamarca é uma prisão!”

Então eles começam a debater, porque os amigos não concordam com essa visão de que a Dinamarca seja tão horrível!

“Não pensamos assim”, diz um dos amigos.

Hamlet responde: “Então pra você não é. Não há nada de bom ou mau sem o pensamento que o faz assim. Pra mim é uma prisão.”

O amigo tenta dar aquela amenizada porque aquela conversa está ficando muito bad vibe, e pergunta: “Não será sua ambição que faz que ela seja? Vai ver a Dinamarca é pequena demais pro seu espírito” (ou seja, ainda tenta fazer um elogio bacana pro cara).

Então Hamlet responde (atención):  

“Oh, Deus, eu poderia viver recluso numa casca de noz e me achar o rei do espaço infinito se não fossem meus pesadelos”.

Se a nossa mente é uma prisão, qualquer lugar que a gente esteja será uma prisão.

Aliás, já viu como uma noz se parece com um cérebro?


E por falar em romances: como saber se você está numa história de Aline Valek?


(*) texto originalmente escrito em setembro de 2018 e publicado em Uma Newsletter #26, enquanto eu escrevia meu próximo romance, que será publicado pela Editora Rocco, em 2020.

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