Sentiremos saudades de hoje

Texto originalmente publicado na minha newsletter em junho de 2018.


Que vontade é essa de passado toda hora?

Outro dia, a padaria anunciou a novidade no cardápio: frapuccino de ovomaltine com leite ninho. Faltou misturar um filminho de Sessão da Tarde depois da aula, pra ter MAIS sabor de infância. A indústria está investindo pesado na nostalgia.

Fazer um reboot de qualquer coisa dos anos 90 é investimento certo no sucesso. Vende ingresso, vende boneco, dá audiência que é uma maravilha. Vale a pena ver de novo, com outros atores, mais efeitos especiais, mas a mesma história, aquela que adoramos e que queremos reviver. Ad infinitum.

2018 e Jurassic Park ainda em cartaz. 2018 e gente ainda insistindo em intervenção militar.

Já houve outra época em que se foi mais fascinado pelo passado do que somos hoje?

O problema da saudade é ela saber contar boas mentiras. Sentimos falta da programação infantil da TV, mas esquecemos das dificuldades de fazer pesquisas na era pré-internet. Sentimos falta dos games, dos ídolos musicais, do pirulito de caramelo do Zorro, mas esquecemos das crises financeiras, das epidemias, das calças de cintura baixa, de ter que atender telefone sem saber quem está ligando.

Por mais que nós, pessoas do presente, gostemos de dizer que vivemos tempos sinistros, desigualdade, Trump, fundamentalismo, fake news, Encontro com a Fátima Bernardes e crossfit, precisamos admitir que vivemos na melhor época.

No futuro, sentiremos saudades de hoje.

Sentiremos falta de quando as celebridades do Youtube ainda eram seres humanos; sentiremos saudades de quando as séries terminavam com oito, nove temporadas; ficaremos nostálgicos ao lembrar de saber usar as redes sociais do momento; sentiremos falta de algo provavelmente idiota e insignificante, como cartões com chip, Candy Crush ou tênis de rodinhas.

E sentiremos falta principalmente porque, enquanto vivíamos o presente, não entendíamos nada. Nostalgia é nossa forma de olhar para trás, reviver e tentar entender o que se passou. Para assim, quem sabe, tentar descobrir por que um dia achamos que essa foi a melhor época para se viver.

A gente estava doido?


No processo de passar o pente fino no blog para fazer os pequenos ajustes do tema novo, acabei mergulhando em posts antigos: foi uma experiência interessante encontrar uma outra escrita, moldada por uma outra internet, onde havia mais espaço para se formar comunidades e menos algoritmos nos controlando.

E também os comentários: gente que comentava com frequência – elogios, diálogos, muita amizade – e que hoje desapareceu da minha vida. Natural. Por outro lado, a alegria de reencontrar comentários de sete, oito anos atrás, de pessoas que ainda hoje são meus grandes amigos.

Eram outros tempos. Até 2011, a caixa de comentários ainda era um espaço gostosinho, como a sala de casa recebendo os mais chegados. Entre 2012 e 2013, virou o CAOS. Não sei como conseguia administrar posts com centenas de comentários; o mais impressionante é que eu respondia! De onde eu tirava disposição para responder tanta gente doida? Com muita elegância, claro. Mas ainda assim: o tempo que eu gastava com isso. Insano.

Dessa época não exatamente sinto falta, mas o blogar como era em outros tempos me enche de nostalgia, justamente por eu saber que não tem mais volta.

A internet agora caminha inexoravelmente em outra direção, onde já não basta cultivar pequenas comunidades de leitores entusiasmados que TAMBÉM escrevem seus próprios blogs, mas onde é preciso alcançar MILHÕES ou você não é ninguém.

Não é possível deter as engrenagens do tempo, ou rebobiná-las tal qual um VHS antes de devolver para a locadora. E é justamente por isso que o blog novamente se tornou tão necessário pra mim: para continuar registrando essas transformações e os passos da minha jornada, essa que não tem muitas opções a não ser seguir adiante.


Saudade é o medo de que nada voltará a ser como um dia foi.

Nostalgia é a certeza disso.


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