Roquia e o poder transformador da imaginação

Roquia Sakhawat Hussain. Faz tempo que essa escritora viveu neste planeta; nasceu em 1880, morreu em 1932. Também viveu num lugar – uma cultura e realidade – muito distante da nossa. Índia, mais precisamente na região hoje conhecida como Bangladesh.

Distante no tempo e no espaço. O que então temos a ver com ela? Por que falar dela e evocar seu nome se praticamente não pertencemos ao mesmo mundo?

O negócio é que Roquia escrevia. E escreveu uma obra de ficção científica que atravessou décadas e meio mundo para chegar até nós, pessoas ocidentais do século XXI. Ela praticamente entrou numa máquina do tempo e veio até aqui para falar com a gente. Veio do passado nos trazer uma mensagem sobre o futuro – quer algo mais ficção científica do que isso?

Em 1905, ela escreveu um conto chamado “Sultana’s Dream”. O Sonho da Sultana. Uma história sobre mulheres, como não devia ser muito comum em sua época. Uma história protagonizada por uma mulher islâmica, indiana. Muito parecida com ela mesma e com tantas outras mulheres que vivem hoje.

Em sua utopia futurista, as mulheres tiveram acesso a educação e se viram livres das restrições da purdah, a prática que isola as mulheres em casa para que os homens não as vejam, impedindo que elas participem da sociedade. A partir disso, ela imaginou mulheres empoderadas o suficiente para criar uma nova sociedade com fantásticos avanços científicos e tecnológicos.

É surpreendente descobrir como seus questionamentos ainda são válidos! A questão do direito das mulheres islâmicas à educação recentemente encontrou uma nova voz com Malala Yousafzai. A jovem paquistanesa chegou a ser baleada na cabeça por homens armados, simplesmente por lutar e acreditar que meninas pudessem frequentar a escola.

Roquia também foi uma ativista pela educação de mulheres. Fundou uma das primeiras escolas voltadas para a educação formal de garotas muçulmanas. Acreditava que impedir o acesso das mulheres ao ensino era uma distorção dos valores do Islã.

Essa parece uma realidade distante da nossa, em que meninos e meninas podem frequentar a mesma escola. Mas a desigualdade de gêneros é perversa de uma maneira diferente por aqui, no nosso mundo ocidental.

Ao mesmo tempo em que existe o acesso ao ensino, há também um desestímulo para que garotas sigam determinadas carreiras. Nada explícito. É algo que afasta as mulheres das áreas de tecnologia e ciências nas pequenas coisas: em cada pequena insinuação de preconceito, que mulheres são burras, ou a imposição de que seu principal objetivo na vida deve ser o de enfeite, ou no assédio que sofrem em áreas dominadas por homens, ou ainda por não serem levadas a sério.

Essa hostilidade disfarçada funciona muito bem para afastar as mulheres, fazer com que elas se sintam desinteressadas. O resultado? Nas faculdades de carreiras de TI, a minoria dos alunos é do gênero feminino; nas áreas tecnológicas, nem 1/5 das profissionais são mulheres. Mulheres em altas posições executivas são ainda mais raras.

A realidade de violência contra as mulheres mais pobres, negras, indígenas e transexuais as mantém ainda mais afastadas da dedicação aos estudos. É difícil persistir no sistema de ensino se elas precisam se preocupar, antes de tudo, com a sobrevivência. Essa realidade empurra tantas mulheres para a miséria e para longe da participação da sociedade que nem é preciso estabelecer uma purdah por aqui.

É aí que Roquia vem falar conosco: “imaginem como seria fantástico o nosso mundo simplesmente se nós tivéssemos as mesmas chances.”

Enquanto metade da humanidade for massacrada e diminuída pela outra metade, não iremos a lugar nenhum. Eis aí a importância da luta pela igualdade racial e de gênero.

Em sua obra, ela ainda traz uma mensagem mais marcante: se é possível acreditar num futuro com carros voadores, tecnologias avançadas de coleta de água e energia solar, também é possível – e necessário – que a gente acredite, acima de tudo, em nós mesmas.

Com imaginação e vontade, somos capazes de transformar nosso mundo.

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“O Sonho da Sultana” foi traduzido para o português e disponibilizado em um e-book gratuito como parte do projeto Universo Desconstruído. Acesse o site e faça o download gratuito.

Tive o prazer de trabalhar com a Sybylla, do site Momentum Saga, para resgatar essa obra pioneira da ficção científica feminista. O mundo precisa conhecer Roquia.

Você pode baixar o e-book no formato de sua preferência (epub, mobi e pdf), basta publicar uma mensagem em seu Twitter ou Facebook e nos ajudar a divulgar esse trabalho. Espero que goste :)