A quem pertence o espaço

Dá o play e vem

Uma pena que viagem espacial tenha virado interesse de babaca nos últimos tempos. Uns playboys que já não sabem o que fazer com tanto dinheiro empenhando um absurdo de recursos em navinhas fálicas na expectativa futura de espremer mais dinheiro de outros planetas. Tanta coisa para arrumar aqui embaixo, guerras, fome, miséria, fascismo, harmonização facial, e esse pessoal querendo colonizar o espaço, faça-me o favor! Atente que já diziam isso isso na época em que colocaram uns hominhos para saltitar na Lua. A revolta, assim como a moda, também é cíclica. 

Claro, seguimos rastejando no lamaçal do sofrimento. Mas será que isso deveria frear esse impulso de nos lançarmos ao desconhecido? Se aspirar às estrelas só for permitido quando toda miséria humana acabar, estaremos fincados permanentemente neste chão. Sofrimento humano é matéria do mesmo tipo da poeira que repousa ininterrupta no piso, ou da louça que se acumula teimosa na pia. Exige trabalho contínuo. Muita força. E ainda assim, no dia seguinte tem mais para resolver.

Como pode o ser humano conquistar o espaço e ainda não ter resolvido a problemática da louça para lavar? Outra questão.

Dada a nossa tragédia atual, viagem espacial não é mais vista com bons olhos. Como se ir para o espaço fosse fugir. É verdade que a vida não está muito boa aqui embaixo, mas não será nenhuma molezinha para aqueles que forem viver entre as estrelas. Vai exigir um tipo de desprendimento da vida em sociedade, uma tolerância ao isolamento e à solidão que, agora sabemos, pouquíssimos estão dispostos a enfrentar por longos períodos de tempo. O chamado para sair da Terra — há muitas eras já ouvido por nossos ancestrais — não necessariamente significa querer que tudo aqui se exploda. Expandir não significa abandonar. Por que diante da imensidão do cosmos somos invadidos pelo sentimento da escassez?

Fotografia antiga, em preto e branco, de duas mulheres vestidas com collants espaciais, cinturão cheio de botões, capa e capacetes de anteninhas. Elas apontam armas lasers para a câmera, uma delas com bastante cara de brava.

Existe a ideia de que os poderosos e podres de rico vão fugir da Terra e montar seus condomínios de luxo em outro planeta, ou em alguma Arca de Noé à deriva na galáxia. Uma espécie de Caco Antíbes nas estrelas. Eu pagaria um bitcoin para saber o que se passa na cabeça de um super-rico desses, e apostaria dez bitcoins que eventualmente se passa o mesmo vazio existencial que também preenche as pessoas comuns, trabalhadoras, que não possuem um cryptoputo, assim como eu. Rico só pensa mesmo em como ficar mais rico e em se distanciar de pobre? Isso sim é que é pobreza. Mas, de volta ao espaço: é possível que alguns ricaços eventualmente acabem indo viver fora da Terra, mas isso está a anos-luz de significar que o espaço sideral vá ser um camarote VIP. Me recuso a aceitar esse imaginário espacial privatizado. Pode demorar algumas gerações, mas, se arranjarmos meios de expandir a vida humana para fora da Terra, vai ter espaço para todo mundo.

Estamos só começando, por isso os ingressos ainda são limitados. Será uma questão de tempo para que outras pessoas, não só cientistas, militares ou bilionários, possam visitar outros planetas — ou mesmo fixar residência por lá. Imagine podermos mandar para o espaço pessoas de todos os tipos, artistas, cozinheiras, terapeutas, atletas, costureiras, radialistas, tarólogas, professoras, strippers, escoteiras, aposentadas jogadoras de dominó, maconheiras, monges, gamers, terraplanistas, especialmente terraplanistas, e quem mais se interessar pela experiência de passar perrengues diferentes daqueles que já experimentamos em nosso planeta natal. Porque o sofrimento, eu tenho certeza, vai nos acompanhar para onde formos.

E se o Jeffrey Bezos abrir vaga para artistas irem para Marte, pode avisar que eu vou.

Imagem de um quadrinho antigo, em que um homem branco com roupas espaciais, observa uma duna num planeta escuro, de céu estrelado e, com as mãos na cintura, diz: "this is a fine place to have a nervous breakdown!"

Financie a viagem espacial de uma artista que não nasceu herdeira: