Vivemos na cultura da imitação

Que raios aconteceu que estamos voltando para os anos 90?

Foi o que tive que perguntar depois de uma olhada superficial na nova coleção daquela loja de roupas que, tecnicamente, não tenho mais idade para entrar.

Parecia o armário da turnê das Spice Girls ou, pior, o figurino da primeira temporada de Malhação. Fiquei apavorada, mas parecia uma tendência. Em outra loja, encontrei um vestido DE UMA MANGA SÓ. Na época em que vestir um braço e deixar o outro nu era legal, eu conhecia esse tipo de roupa por “mula manca”. Nenhuma roupa conhecida por esse nome pode dar em algo bom.

Porém lá estavam, diante dos meus olhos, essas aberrações voltando para os armários. Todas as cores, estampas duvidosas e camisas de flanela que marcaram a era grunge, todos os vestidos tubinhos com zíper que só seriam aceitáveis se você fizesse parte do elenco de Blossom ou vivesse numa época em que os critérios de bom gosto visual foram consideravelmente afrouxados.

Tive vontade de alertar as jovens que se divertiam entre as araras de roupas que elas estavam sendo ENGANADAS.

Essa coleção não é nova, jovens! Eles só estão reciclando a moda de uma época na qual vocês não eram nascidas!

Duvido que vocês levariam esse colete se soubessem dos efeitos NEFASTOS de toda uma população se vestindo dessa forma! Foi o que pensei, momentos antes de considerar seriamente levar uma blusa com estampa da MTV.

O irônico é que só fomos ao shopping, em primeiro lugar, porque fomos assistir Jumanji. Tem coisa mais anos 90 do que um JUMANJI jogado num Super Nintendo com trilha sonora de Guns N’ Roses?

A anos-noventização da nossa sociedade foi consumada: andar de pochete já é normal, a novidade de colocar gif nos stories deixou o Instagram parecido com a internet da época em que se fazia sites no hpg, voltamos a discutir se o Brasil vai virar parlamentarismo e as jovens voltaram a usar aquelas gargantilhas de plástico pavorosas que imitam tatuagem de henna (eu usava muito).

Eu só quero saber quem é a pessoa RESPONSÁVEL por isso. Quem deixou isso acontecer? A quem isso convém? Em quem posso colocar a CULPA? Me questiono revoltada, enquanto ligo a Netflix e coloco mais um episódio do programa de entrevistas do Seinfeld.

Ok, ok. Os anos 90 me venceram.

Texto originalmente publicado na edição de janeiro de 2018 da minha newsletter.


Trechos do texto “We’re living in a copycat culture”, de Sadie Stein, publicado em janeiro de 2017 no New York Times. Tradução livre minha:

Nostalgia é notícia velha quando se trata de cultura: estamos continuamente reciclando o passado. O que muda de uma era para a outra é nossa atitude em relação a olhar para trás, e, quando os tempos ficam difíceis, as lembranças tendem a ser cor-de-rosa. Nos turbulentos anos 70, a década de 50 foi preservada em um âmbar brega por meio de programas como Happy Days. Na última década, no meio de um colapso financeiro global, recuamos para os anos 60 de Mad Men, ansiando pela névoa estilosa de cigarros Camel e coquetéis. No último ano, no meio da mais acirrada eleição das nossas vidas, a filmagem granulada e a trilha sonora dos anos 80 de Stranger Things nos envolveram em um cobertor seguro.

A reverência à nostalgia tem vindo à tona nos últimos anos, a ponto de a recordação ser tão descaradamente afetiva que beira a replicação. Parece que agora estamos no negócio não apenas do pastiche, mas da verdadeira recriação — se preferir, menos show de drag, mais banda cover. Nos momentos mais baixos, podemos nos perguntar se a popularidade dos livros de colorir para adultos apontam para uma crise criativa maior — ou, pelo menos, uma crise de evolução.

A linha entre passado e presente, criação e curadoria, nunca foi tão tênue — algo nada desprezível em um mundo tão cínico quanto o nosso pode ser. Parte disso, com certeza, é uma questão de cronologia e marketing: progressivamente, o público-alvo é jovem demais para se lembrar das coisas quando elas surgiram. Para millenials, uma referência a Keith Haring ou a uma música de Modern English evoca não só a saudade da nostalgia, mas a alegria da descoberta, e o contexto que se dane.

Há uma teoria conhecida como “universo em bloco”, que sugere que o presente não fluiria continuamente como um rio em direção ao futuro. Em vez disso, o tempo estaria congelado, com um passado, presente e futuro igualmente reais. Tal teoria oferece outro intrigante argumento para nossa corrente onda de nostalgia: a de que talvez os erros do passado ainda estão acontecendo e podem ser corrigidos (ou, como o filme A Chegada sugere, aqueles do futuro podem ser evitados).

William Faulkner, um escritor que é revisitado infinitas vezes, deu uma declaração premonitória quando ele escreveu em 1951: “O passado nunca está morto. Nem sequer é passado”

— Sadie stein

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